Portal de Capricórnio, Ursulla Mackenzie. Capa: Denise Didelet. 219 páginas. São Paulo: Uiclap, 2019. Lançamento original em 2012.
Este livro me chegou em
mãos através da própria autora, uma conhecida de anos do fandom brasileiro de FC&F. O leitor mais desavisado pode estar
a estranhar o nome, mas se trata, na verdade, do nome artístico utilizado nos
últimos anos por Márcia Olivieri. Inclusive, a edição original desta obra saiu
com seu próprio nome.
É sua obra de maior fôlego
até o momento, um romance muito movimentado sobre a descoberta de uma jovem,
Dru River, de um livro antigo que traz consigo, além de segredos sobre as
origens da humanidade, o acesso a um passado longínquo. Mas antes disso, ela,
fascinada com o livro achado numa casa aparentemente abandonada no litoral
paulista, justamente no meridiano do Trópico de Capricórnio, reúne, através de
um amigo, vários pesquisadores para estudarem a obra. É então que Dru River, ao
levá-los até o local onde o livro foi encontrado, é transportada subitamente
junto com eles para um outro local, muito distante e totalmente diferente de
tudo o que já conheciam e viveram. Confusos e transtornados, eles têm de
entender onde estão, como foram parar lá, que relação há com o livro e, mais
importante, como voltar para suas realidades.
Estas e outras perguntas
irão movimentar os objetivos e ansiedades dos personagens que, aos poucos, e
devido aos perigos repentinos que enfrentam, lutarão principalmente por sua
sobrevivência num local que, pelo que vão percebendo, não faz parte do mundo
que eles conhecem. Ambientes radicalmente diferentes se sucedem: ora um deserto
branco e traiçoeiro, ora uma floresta densa e cheia de surpresas, ora planícies
abertas, mas não menos perigosas. A temperatura também muda de forma abrupta,
mas o mais terrível são as criaturas com que se deparam: seres rastejantes,
ciclopes, monstros marinhos, tal como um kraken, seres centauróides, duendes e
pássaros gigantescos semelhantes a seu ancestral pterosauro etc.
Mas que lugar é este e
como foram para lá? Dru River e seus amigos transpassaram um portal do tempo,
indo parar há 22 mil anos no passado da Terra. Mas podemos dizer que este
passado do nosso planeta está muito mais próximo de um mundo de conto de fadas
do que algo próximo do que seria verossímil por tudo que se conhece em termos
científicos. Isso porque o romance, embora use o recurso da viagem no tempo, o
faz apenas como meio de exploração de um lugar fantástico e mágico, mais
próximo da mitologia do que da arqueologia.
Neste mundo, talvez de um
universo paralelo, embora isso não seja explicitado, poderes mágicos e
aparentemente sem explicação são possíveis, além do fato da própria presença de
seres só conhecidos das lendas e fábulas – nesse sentido, senti a falta de um
dragão. Daria um toque a mais de excentricidade ao conjunto de seres reunidos
neste passado muito estranho.
Além de tentar
sobreviverem, o grupo descobre porque, afinal, havia parado por lá. Um certo
sujeito chamado Hans, representante de um Governo da Coalizão Mundial, lidera
um plano secreto de colonizar este passado remoto. Mas resolveu usar dos
serviços de Dru River e seu pessoal, por assim dizer, para que estes pudessem
descobrir os segredos da principal civilização do tempo remoto, os Kathumaran
que, por meio da magia e saberes ocultos, conseguem se manter protegidas e pode
representar uma ameaça para os objetivos imperialistas.
Após conhecer Bram, o
explorador dos Kathumaran e sua civilização, o grupo tenta voltar à nossa
época, mas é surpreendido por Hans e seus soldados, que condicionam o retorno e
sobrevivência, à revelação dos segredos da civilização. Eles voltam, mas
resolvem adentrar o portal novamente para encontrar parte do grupo que havia se
separado, além de tentar impedir os objetivos sinistros de Ham. Esta é uma
espécie de ponto de virada da obra, pois ao retornar muitas das novidades são
apenas repetidas, o que, de certa forma, diminuiu o impacto da obra até o seu
final.
Mesmo assim, o leitor
percebe que a história é cheia de reviravoltas. Se beneficia da tradição da
fantasia do conto de fadas, com seus lugares fantásticos, personagens
poderosos, magias e monstros, e em diálogo com os mundos imaginários criados
por Burroughs e Tolkien. O perfil é voltado ao público infanto-juvenil, mas
pode agradar a pessoas de qualquer idade, pois o forte é o entretenimento. A
autora é competente nesse quesito que acaba, inclusive, reduzindo o impacto de
possíveis senões presentes no enredo e seus desdobramentos, que poderiam se
mais trabalhados e trazidos de forma mais importante à trama. Como, por
exemplo, os detalhes desta coalizão mundial, como se formou, e descobriu o
portal, e, talvez também, menos maniqueísta em seus objetivos. Ou então, a
exposição do próprio passado, que fica apenas mostrado por meio das impressões
dos viajantes, e não em si mesmo. Do jeito que está, parece mais, de fato,
pertencente a um universo paralelo ou alternativo, mas poderia ter sido um
pouco mais elaborado.
Há também alguns excessos
de estilo, como o uso em demasia de pontos de exclamação na fala dos
personagens. Um trabalho de edição poderia melhorar este aspecto, tornando a
prosa com menos ruídos de interjeições. Como a primeira edição foi publicada em
2012, e esta teve relançamento em 2019, é possível que a autora tenha feito
alguma revisão da obra, embora as duas edições, salvo engano, tenham o mesmo
número de páginas. Mais importante, ela informa que escreveu uma segunda parte,
onde responde às pontas soltas deixadas, e finaliza a aventura.
A paulistana Márcia
Olivieri, já uma veterana da Terceira Onda da FCB, tem publicado contos em
antologias de prestígio como, por exemplo, Vinte
Voltas ao Redor do Sol (2005) e Fractais
Tropicais (2018), além de também já ter aparecido no exterior, em países
como Alemanha, Argentina, Espanha e Estados Unidos. Inclusive, tem em vista um
novo romance, que deve ser publicado em breve. Tudo isso só comprova que
estamos diante de uma autora de carreira contínua e séria, que tem procurado se
aprimorar e dar novos rumos à difícil e incerta carreira de escritora. Ainda
mais de FC e fantasia. Talvez por isso tenha adotado um pseudônimo estrangeiro?
É possível, pois vários outros brasileiros já tentaram esta estratégia para auferir
mais êxito.
Seja como for, Portal de Capricórnio é um romance de
fantasia, mas com ênfase weird interessante,
que poderia, inclusive, ser adotado como livro didático em escolas, pois além
de um bom entretenimento, inclui também um leque de informações corretas, em
termos de dados históricos e/ou mitológicos, que poderiam ser úteis em
atividades para crianças e adolescentes.
—Marcello Simão Branco