quarta-feira, 18 de março de 2015

Estranhas invenções

Estranhas invenções, Ademir Pascale, org. 120 páginas. Capa de Marcelo Biguetti. Editora Ornitorrinco, Petrópolis, 2012.

Antologias temáticas continuam em alta na ficção fantástica brasileira, e o levantamento realizado pelo Anuário ao longo dos últimos anos prova que elas não perderam o ímpeto editorial em 2012. Apesar dos lançamentos de forma geral terem mostrado uma queda acentuada em relação a 2011, foram publicadas mais antologias e coletâneas em 2012. Isso se explica por conta da crescente demanda por espaço editorial para autores novos e pelo favorável esquema comercial que gerencia esse tipo de publicação. Uma vez que reúne um grupo grande de autores, uma antologia pode contar com muito mais gente no lançamento, e possibilita ações regionais de cada autor, favorecendo uma distribuição mais abrangente. Contudo, percebe-se que há uma certa urgência na montagem e lançamento dos livros, que nem sempre cumprem os objetivos propostos.
Estranhas invenções é um desses casos. A antologia apresenta-se como uma seleção de textos curtos de ficção fantástica – com um pendão óbvio mas não obrigatório para a ficção científica – em homenagem o famoso artista, engenheiro e inventor Leonardo Da Vinci (1452-1519). A produção gráfica, creditada a Marcelo Biguetti, remete a esse objetivo, com ilustrações e citações do sábio florentino espalhadas pelas páginas, criando um clima perfeito para histórias ao estilo steampunk. Mas Da Vinci é sequer citado nos dez textos selecionados; nenhuma das histórias se passa em sua época ou faz referência a qualquer de seus espetaculares inventos, incluindo os textos assinados pelo próprio Biguetti e pelo organizador Ademir Pascale. A homenagem teve aqui um papel apenas decorativo.
"Tempus fugit", de Tibor Moricz, abre a antologia com uma história sobre viagens no tempo, que vem a ser o tema mais recorrente da antologia. Conta os momentos finais de dois cientistas que, depois de aterrorizar a sociedade com seus métodos pouco ortodoxos de pesquisa, têm o laboratório atacado por uma turba furiosa. Para escapar da morte certa, decidem fugir pela própria máquina do tempo que acabaram de inventar mas, na pressa, saltam exatamente para onde nunca deveriam ir.
Em "A ponte para o infinito", Daniel Borba – que também assina o prefácio do livro – conta sobre como um jovem decide realizar o sonho de sua falecida namorada projetando uma máquina de teletransporte para viajar até às estrelas, mas que o arremessa de volta ao passado.
Ana Lucia Merege foi a única autora a situar sua história no passado; não no Renascimento de Da Vinci, mas na época vitoriana. Em "A incrível máquina de Micawber", um grupo de intelectuais do século 19 comparece ao laboratório de um inventor excêntrico para testemunhar os milagres de uma máquina para bisbilhotar os sonhos alheios. O texto tem um caráter levemente cômico e bons diálogos, sendo um dos melhores textos do conjunto.
Só não é melhor que "A temporalamina", de Miguel Carqueija, que retoma o conceito do efeito borboleta à luz do seu habitual estilo farsesco. Um cientista, inspirado pela morte da esposa irascível mas que ele amava, inventa uma beberragem que o permite voltar no tempo para salvá-la. A história é narrada por um amigo do inventor, que o visita esporadicamente e, em cada um dos encontros, se depara com uma realidade mais espantosa que a anterior.
Cesar Alcázar participa com "Na solidão de Phobos", uma história sofisticada em que um homem isolado numa estação espacial vicia-se numa espécie de gravador de sonhos, ao ponto de não saber mais a diferença entre sonhos, gravações e a realidade, uma situação de grande risco para quem está tão longe de casa.
"O terceiro nível", de Maurício Montenegro, também faz uso de um dispositivo similar para contar a história de um cientista que, ao ser entrevistado num programa de tv, sente um mal súbito que o leva a questionar os contornos de sua própria identidade na medida que ela vai sendo sobreposta pela de um criminoso de outra realidade.
Alícia Azevedo, em "Anastasis", inventa uma máquina de ressurreição de animais de estimação, que traz fortuna aos seus criadores, mas imperfeições do processo acabam causando mais dor do que alegria.
"Apenas um botão" é o conto assinado pelo organizador, Ademir Pascale, sobre um garoto problemático, porém genial, que cria um computador com o qual pretende reconfigurar suas próprias memórias, mas os resultados são trágicos.
 O experiente autor de hard fiction Jorge Luiz Calife comparece com "Uma questão de tempo", situado no mesmo universo da trilogia Padrões de contato. Luciana Vilares vai à Austrália entrevistar um cientista que afirma ter inventado uma máquina do tempo. É claro que a intrépida jornalista quer experimentar o aparelho e acaba se envolvendo numa aventura selvagem. A história tem a qualidade habitual do autor, mas por conta de alguns detalhes de seu desfecho, soa equivocada dentro do universo da Tríade.
Fechando a antologia, "A fuga", de Marcello Biguetti, conta em tom debochado os passos de um homem infantilizado rumo a uma improvável e certamente imerecida divindade.
Como se percebe, montar uma antologia temática é uma missão complicada quando se depende unicamente de textos inéditos. Mesmo neste caso, em que temos a participação de autores experientes, ninguém arriscou ir além do óbvio e os textos acabaram falando das mesmas coisas, sendo que alguns chegam a ser incomodamente similares entre si. Talvez o prazo estabelecido para a seleção dos contos tenha sido demasiadamente estreito, ou o conceito da obra não foi compreendido plenamente pelos autores. De qualquer forma, o avaliação geral de Estranhas invenções é que, além de ter perdido a grande oportunidade de falar de Da Vinci, a antologia também não satisfaz as expectativas de um leitor que busca pelo estranhamento prometido no título.
— Cesar Silva

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