quinta-feira, 16 de abril de 2015

Conan, o bárbaro, Robert E. Howard

Conan, o bárbaro (Conan, the conqueror), Robert E. Howard. 392 páginas. Tradução de Alexandre Callari. Capa de Alex Alprim. Selo Generale, Editora Évora, São Paulo, 2011.

Depois de quase um século, finalmente as editoras brasileiras parecem ter descoberto os atrativos da Weird Fiction, estilo narrativo desenvolvido em revistas pulp como a Weird Tales, editada em 1923 por J. C. Henneberger, em Chicago, EUA. Em 2011 chegou às livrarias brasileiras, pela Editora Évora, a coletânea Conan, o bárbaro, de Robert E. Howard, a reboque do lançamento da superprodução cinematográfica homônima, dirigida pelo alemão Marcus Nispel, remake do grande sucesso de 1982 estrelado pelo gigante Arnold Schwarzenegger. O livro traz alguns textos inéditos no Brasil deste personagem que é uma bem-sucedida franquia internacional, que se espalha por diversas mídias como o cinema, os quadrinhos, a televisão e os videogames.
Howard nasceu em dezembro de 1906, em Peaster, Texas, e nos breves 30 anos em que viveu, construiu uma saborosa mitologia ancestral, amálgama de histórias de guerras medievais com fantasias das Mil e Uma Noites, que hoje é conhecido como o subgênero Sword and Sorcery (Espada e Magia). Nessa versão delirante do passado da humanidade trafega Conan, guerreiro das montanhas geladas de algum lugar que parece ser o norte da Europa e que, no mundo criado por Howard, chama-se Ciméria. Aliás, Howard redesenhou o mapa do mundo, definindo um continente estranho, no qual se pode identificar versões de diversas culturas recentes, como os turcos, os árabes, os egípcios e até os romanos. A arquitetura descrita também se apoia nas desses povos, com uma boa dose de medievalismo europeu. Depois de bem cosida, Howard fixou essa mixórdia cultural numa época 12.000 anos atrás, 4.000 anos depois do desaparecimento da lendária Atlântida, que chamou de Era Hiboriana. O ambiente é tão rico que permitiu a criação de outros personagens, como o Rei Kull, que governou a Atlântida em seus últimos dias.
Quase todas as histórias de Conan foram escritas entre 1926 e 1930, e publicadas principalmente na Weird Tales. A primeira história impressa foi chamada “A fênix e a espada” (“The phoenix on the sword”),  publicada em 1932. A série original completa conta com apenas 21 textos, três dos quais publicados postumamente. Na década de 1950, o material foi republicado em forma de livro pela Gnome Press, e reeditado em 1966 com belíssimas capas ilustradas por Frank Frazetta, que lhe renderam o sucesso atual. Autores como L. Sprague de Camp e Lin Carter deram sequência às aventuras de Conan, algumas a partir de manuscritos incompletos posteriormente descobertos.
No Brasil, os textos de Howard foram pouco publicados. A primeira tradução que se tem notícia foi do conto “A fênix e a espada”, visto em 1973 no número 7 da revista Planeta (Editora Três), então editada por Ignácio de Loyola Brandão. Outro texto de Howard só iria aparecer em 1990: “O povo do Círculo Negro” (“The people of the Black Circle”), publicado na antologia Isaac Asimov Apresenta: Magos, os Mundo Mágicos da Fantasia (Editora Melhoramentos). Em 1995, a editora Mercuryo, pelo selo Unicórnio Azul, distribuiu nas bancas cinco volumes do periódico Conan: Espada e Magia, com uma seleção de histórias do bárbaro escritas por Howard e seus seguidores. No ano seguinte, a editora Newton Compton Brasil distribuiu, do mesmo modo, um volume com a novela Pregos vermelhos (Red nails), um dos maiores clássicos do personagem. Em 2006, a Editora Conrad publicou dois volumes somente com contos de Conan escritos por Howard, na sua sequência original.
Conan, o Bárbaro apresenta quatro textos: o já anteriormente visto “Os profetas do Círculo Negro”, mais os inéditos “Além do Rio Negro” (“Beyond the Black River”), “As negras noites de Zamboula” (“Shadows in Zamboula”) e “A hora do dragão” (“The hour of the dragon”).
O livro inicia justamente com “A hora do dragão”, que narra um episódio da vida madura de Conan, durante seu reinado na Aquilônia. Três nobres de segunda linha tramam com um feiticeiro para se colocarem no poder dos reinos da região da Aquilônia. Para isso, restauram a vida de Xaltotun, um poderoso mago do extinto reino do Pyton, fazendo uso de um objeto místico chamado Coração de Ahriman. Xaltotum usa seus poderes para tirar Conan do trono, mas seu objetivo é muito mais amplo do que esperam seus capangas: ele pretende restaurar o antigo poder de Pyton e dominar todo o mundo hiboriano. Enquanto os nobres mergulham a região num banho de sangue, o deposto Conan tem que lutar para sobreviver, descobrir uma forma de derrotar o poderoso Xaltotum e assim poder recuperar seu trono. Trata-se do texto mais longo que Howard escreveu com o bárbaro. Considerado como o único “romance” de Conan, “A hora do dragão” é, na verdade, uma novela de narrativa linear centrada no protagonista. A história é cheia de detalhes, com muitos personagens e as costumeiras cenas da batalhas grandiosas típicas das aventuras de Conan.
“Além do Rio Negro” é o texto seguinte, uma noveleta que mostra o herói num período anterior, quando ele ainda era um guerreiro errante. Embrenhado na selva, Conan se envolve em uma guerra de fronteira com os selvagens pictos, raça de homens primitivos e ferozes, liderados por um xamã sedento de vingança. Apesar de curto, é o texto mais denso do volume, com um forte clima claustrofóbico.
“As negras noites de Zamboula” é a narrativa mais curta da coletânea. Depois de escapar de uma armadilha engendrada pelo proprietário da hospedaria onde dormia, Conan conhece uma linda dama que o convence a resgatar seu amante das garras de um feiticeiro. Depois de algumas tribulações, Conan acaba aplicando sua costumeira justiça, inclusive contra o traiçoeiro estalajadeiro que tentara enganá-lo.
“Os profetas do Círculo Negro” fecha o volume, um texto com a mesma carga épica da novela inicial. Conan é o líder de um bando de salteadores das montanhas que tenta negociar com a milícia local a libertação de alguns de seus homens que foram capturados. Mas ele é atacado e, ao fugir, leva a rainha Jasmina de Vendhya refém. Esta, por sua vez, pede a ajuda de Conan para vingar seu irmão morto pelas artes mágicas dos Profetas Negros de Yimsha, necromantes que habitam uma fortaleza mística no alto das montanhas. Levado pelas circunstâncias, Conan não tem outra opção a não ser enfrentar esses seres, para salvar a própria vida e recuperar a liderança de seus homens.
Os textos têm tradução de Alexandre Callari, autor da casa pela qual teve publicado em 2011 o romance Apocalipse zumbi. Callari assina também a apresentação da coletânea, que tem prefácio do roteirista norte-americano Roy Thomas, comentando a adaptação do personagem para os quadrinhos, o que soa um pouco deslocado no contexto de um volume literário, especialmente para aqueles leitores que não acompanham os quadrinhos do personagem.
O livro ainda traz um caderno de oito páginas com imagens em cores do remake e a capa reproduz o cartaz do filme. O grande problema ao associar tão enfaticamente a publicação de um texto clássico como este a uma adaptação cinematográfica é a enorme possibilidade de que o filme seja mal recebido pela crítica e pelo público. E quando um filme não vai bem, seus subprodutos tendem a seguir-lhe a trajetória, o que seria uma pena no caso deste livro, que tem qualidades suficientes para sustentar-se. Afinal, se há um subproduto aqui, ele é o filme.
No momento em que títulos como O senhor dos anéis, Crônicas de Nárnia e A guerra dos tronos estão entre os mais vendidos das livrarias, é um ótima chance para Howard, que foi um daqueles que moldou a forma original da fantasia como gênero.
— Cesar Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário