terça-feira, 7 de julho de 2015

Amor vampiro

Amor vampiro, Ednei Procópio, org. Giz Editorial, São Paulo, data oficial 2007 (efetivamente 2008).

Antologia com contos de dark fantasy organizada pelo próprio editor da Giz Editorial, reunindo alguns dos mais ativos autores brasileiros que têm nos contos com vampiros o seu principal trabalho. O expediente informa 2007 como a data de publicação, mas só foi efetivamente publicado no início de 2008.
O livro é elegante, com uma belíssima capa assinada por Amauri Modesto de Oliveira, ótimas produção gráfica, diagramação e revisão. Em suma, uma edição que faria história em qualquer época em que fosse publicada, exceto hoje, uma vez que o mercado está saturado de livros com histórias de vampiros, inclusive dos próprios autores. É lamentável que assim seja, porque o livro apresenta um projeto editorial consistente e os autores publicados têm experiência.
Adriano Siqueira é editor do bem sucedido saite de horror Adorável Noite, que ajudou a catalisar o gênero no Brasil. André Vianco é um dos maiores fenômenos da literatura fantástica brasileira, com muitos livros publicados, entre eles o bestseller Os sete (2001), bem recebido também pela crítica. Martha Argel podemos dizer que é uma veterana no fandom, presente desde a década de 1990 quando praticava ficção científica, até identificar-se com os vampiros e desenvolver alguns dos bons livros no tema, como o romance Relações de sangue (2002), a antologia O vampiro de cada um (2003) e o excelente O vampiro da Mata Atlântica (2009), entre outros. J. Modesto é autor do romance Trevas: Eles estão por toda parte (2006). Nelson Magrini tem em seu currículo os livros Anjo, a face do mal (2004) e Relâmpagos de sangue (2006). Regina Drummond é a mais experiente de todos, com um trabalho importante e premiado como escritora, editora e incentivadora da leitura. Giulia Moon, por sua vez, é uma das mais interessantes autoras brasileiras de vampiros, com vários livros publicados, entre eles Vampiros no espelho & Outros seres obscuros (2004), A Dama-Morcega (2006) e a série de romances com a vampira Kaori, que já conta com três volumes.
Dessa forma, era de se esperar que os contos publicados fossem trabalhos destacados no gênero e na bibliografia dos autores, aproveitando a ousadia que o título da antologia sugere, uma vez que os vampiros já são, em sua dimensão mítica, seres deformados. Mas como se poderá perceber pela resenha a seguir, não houve muita variação e quase todas as histórias versam sobre relações entre homens e vampiras com as mais previsíveis conotações. Nenhum outro tipo de amor parece fazer parte do ideário vampírico, seja por parte do monstro seja por parte das suas vítimas, pelo menos na opinião do organizador da antologia, uma vez que alguns dos autores já mostraram visões mais interessantes nesse mesmo tema em outras oportunidades. Apesar disso, o conjunto soa harmonioso, sem que nenhum dos trabalhos publicados se destaque entre os demais.
Não parece haver um padrão na ordem dos autores, mas cada um deles forma um caderno particular, isolados entre si por uma folha decorada com grafismos e um pequeno currículo.
Adriano Siqueira abre a antologia, com três trabalhos muito curtos. O primeiro deles é “O outro lado do espelho”, com apenas três páginas é o mais breve da antologia e faz o trabalho de um diapasão para o que virá em seguida. Numa ambientação algo gótica, um vampiro satisfaz o desejo de uma bruxa que insiste ser vampirizada. Em “O dia dos vampiros”, um jovem sem sorte troca de lugar no espaço e no tempo com um vampiro que ia ser imolado séculos atrás. Enquanto o jovem azarado é sacrificado em seu lugar, o vampiro acompanha sua namorada a uma festa dedicada aos vampiros. O conto assume ser uma homenagem a 13 de agosto, o Dia do Vampiro, quando a comunidade brasileira de fãs festeja o seu objeto de desejo. O terceiro conto é “A grande chance”, no qual um adolescente apaixonado pela garota mais bonita da escola espera pela chance de se declarar. Mas ela está envolvida com um vampiro e o destino do jovem é tornar-se o prato principal da noite.
O caderno seguinte apresenta o conto “A canção de Maria”, de André Vianco. O experiente autor ousa instalar sua narrativa na Palestina dos tempos de Jesus Cristo, quando um lenhador judeu abriga em sua casa uma jovem mãe que lhe pede ajuda. Porém a mulher morre e deixa sua criança com o homem, que decide cuidar dela sozinho. Mas o fantasma da mãe parece rondar a casa com a intenção de levar também a criança, que fica cada vez mais fraca e doente. Assustado e cada vez mais desesperado, o homem abandona suas convicções religiosas e busca na feitiçaria uma forma de proteger o bebê e a si mesmo. É o conto mais diferente do livro, com uma vampira não usual e uma relação de amor triangular entre o lenhador, a jovem mãe e o bebê. Mas o conto não está bem ambientado e a Palestina romana de Vianco não soa realista. O judeu não pratica sua religião e talvez nem o seja de fato, mas ao buscar ajuda com o Nazareno, sem sucesso, dá a impressão de que fosse. A imagem burocrática que Vianco pinta de Jesus que, na sua opinião, seria agenciado por João Batista, é historicamente inconsistente e enfraquece o conto. Os resultados seriam melhores se Vianco tivesse plantado seu drama de horror diretamente na Europa medieval, com a qual se identifica mais plenamente. Apesar disso, é o melhor trabalho do livro.
A seguir, Martha Argel apresenta o conto mais longo do volume, “A flor do mal”, uma noveleta com 40 páginas, ambientada na Florença do tempo dos Médicis. Uma vampira, ao voltar de sua caçada noturna, é surpreendida por um homem em busca de vingança pela morte de um parente, mas os instintos da monstra a alertam a tempo de evitar qualquer dano, e o atacante acaba escravizado pela vampira. Surge um romance entre os dois e, mais tarde, a vampira acaba transformando seu amante numa criatura semelhante a ela. Há bons momentos no conto – especialmente os mais apimentados, que a autora domina muito bem – e a ambientação florentina é eficiente, mas faltou algo mais à história, pois os dramas emocionais dos dois vampiros não são convincentes.
J. Modesto conta duas histórias. Em “Amante notívago” um vampiro se aproveita de uma dama da nobreza enquanto seu marido não está no castelo. Este, vindo não se sabe de onde, esfalfa-se para chegar a tempo de salvar sua esposa das garras do monstro. O confronto favorece ao homem que, depois de destruir a criatura do mal, deita-se ao lado da esposa desacordada. Quando o cansaço o faz dormitar, a dama finalmente revela sua nova natureza. Em “O anjo e a vampira”, uma senhora idosa fala a seu neto adolescente sobre a paixão entre dois seres de naturezas incompatíveis. Apaixonados, anjo e vampira procuram uma bruxa que conspurca a santidade do anjo para que o casal possa satisfazer sua luxúria em segurança. Modesto é o autor menos experiente do grupo, mas suas histórias não destoam do conjunto.
“Isabella” é a contribuição de Nelson Magrini, que conta como um nerd obcecado por uma vampira arma um esquema para que ela o note e se apaixone por ele. Usando de lógica supostamente científica, o rapaz argumenta que a vampira é mais humana do que pensa e, finalmente, consegue convencê-la a se entregar a sua paixão. O texto tem problemas com repetições de palavras e aliterações, e nas primeiras páginas há uma adjetivação tão exagerada que chega a incomodar. Mas passado esse mal início, a narrativa flui melhor.
Regina Drummond participa com “A velha, o jovem e o casarão”, a aventura de um adolescente que, maltratado pela madrasta, foge de casa. Sem ter para onde ir, observa como uma velha senhora desaparece num trecho desmoronado do muro que cerca um velho casarão aparentemente abandonado, e resolve segui-la. Uma vez nos domínios do imóvel, é envolvido por energias nefastas que o impedem de se afastar. Depois de passar uma noite no casarão, finalmente se encontra com a velha, que o recebe com amabilidade. Dessa forma, o jovem decide permanecer para explorar melhor as dependências do velho solar, o que vai revelar ser um grande erro. A história, se não é original, é muito bem contada, tem um nível de estranhamento delicioso e faz uma bela homenagem aos velhos casarões assombrados. A referência ao amor vampiro é transversal e só vai materializar-se no trecho final da história, mesmo assim é preciso a participação interpretativa do leitor. A apresentação de Regina Drummond impressiona, é uma autora muito experiente, com uma sólida carreira dedicada à literatura infanto-juvenil, e é estranho que com tanto prestígio não tenha uma bibliografia mais consistente no fantástico. Certamente não é por causa de seu texto, que é irrepreensível, assim como sua criatividade, que faz de seu conto um dos melhores trechos da antologia. Talvez sua carreira literária já estabelecida seja um dificultador junto aos seus editores, e sua presença nesta coletânea inaugure uma linha alternativa de sua obra. Espero que a autora tenha a oportunidade de nos apresentar, num futuro breve, mais trabalhos voltados para o fantástico, com ou sem vampiros, pois é uma excelente escritora.
“Dragões tatuados”, de Giulia Moon, fecha a antologia com uma história que se passa no bairro da Liberdade, na capital paulista. Um rapaz tem por profissão observar e catalogar vampiros em nome de alguma organização que não é explicitada na história. Sempre muito discreto e cuidadoso, catalogou centenas dessas criaturas amaldiçoadas, mas desta vez alguma coisa não deu certo, pois ele acorda na cama de sua suíte no hotel sem lembrar dos eventos da noite anterior e com duas pequenas perfurações em seu pescoço. Na busca por respostas, ele vai se envolver com uma mulher fatal que tem por hobby tatuar dragões em suas vítimas. Giulia tem um ótimo domínio do texto e a história envolve o leitor mas, depois de tantas histórias de paixão entre homens jovens e vampiras sedutoras, acaba por ser mais um pouco do mesmo.
Fica a certeza que o organizador perdeu a chance de construir uma antologia realmente representativa do tema escolhido, pois alguns dos autores selecionados já publicaram histórias melhores nessa premissa. Quando os textos se aproximam de uma narrativa pornográfica, um pouco mais de ousadia poderia ter elevado a experiência do leitor a algo realmente emocionante – uma vez que assustadora não é – mas os contos são comedidos, juvenis, e fica a impressão de um moralismo excessivo, que não consegue pensar num amor vampiro para além do heterossexual. Uma visão mais criativa e ousada ficou assim para uma outra oportunidade.
De qualquer forma, o livro entretem e o editor nos informou que o volume teve aceitação muito boa pelos livreiros, provavelmente animados com o nome de André Vianco entre os autores, além da excelente apresentação gráfica.
— Cesar Silva

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