sábado, 14 de novembro de 2015

O Filme Essencial sobre os Mistérios da Existência

O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet), Suécia, 1957, 95 minutos. Direção e roteiro: Ingmar Bergman, baseado em sua peça Pintura sobre a Madeira (1954). Com Max Von Sidow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Pope, Bibi Andersson, Inga Gill, Erik Strandmark, Gunnel Lindblom, Anders Ek, Bertil Anderberg, Gunnar Olsson e Inga Landgre. Disponível em DVD pela Versátil Home Video.

O cineasta e dramaturgo sueco Ingmar Bergman (1918-2007), é mundialmente reconhecido como um dos mais influentes cineastas já surgidos. Destacou-se como tema recorrente de sua obra uma busca transcendente, metafísica, sobre as razões da existência humana e sua eventual ligação com algo além, Divino. Pois bem. Em O Sétimo Selo (1957), esta questão básica da vida é colocada de uma forma frontal, crua e perturbadora, como poucas vezes vista no cinema. E, para inserir e justificar o comentário desta obra dentro do gênero Horror, o fato é que Bergman, em primeiro lugar, trata de um tema que é horror em estado puro: a morte que espreita cada um de nós. E em segundo, de uma forma mais direta, pois cobre a narrativa com elementos fantásticos. Não o fantástico por si mesmo, mas como um eficiente recurso de parábola alegórica, conferindo uma forte impressão às questões refletidas. E chama a atenção também, o fato deste filme ser um dos poucos de sua filmografia a abrir mão de um tratamento essencialmente realista para os temas transcendentes que aborda.
Filmada em belíssimo preto e branco, a história se passa na Idade Média, contando a trajetória de regresso de um cavaleiro, Antonius Block (numa interpretação marcante de Max von Sydow) e seu escudeiro Jons, das Cruzadas, onde pela lâmina de suas espadas haviam subjugado ‘infiéis’ em nome do Deus cristão. Deprimidos e cansados, apreendem a inutilidade de suas ações, buscando algum sentido para toda aquela matança e para o mundo sombrio que testemunhavam. Uma época de perseguições religiosas, com pessoas sendo rotineiramente queimadas vivas em praças públicas, além da terrível chegada da Peste Negra (a peste bulbônica, transmitida por ratos contaminados por pulgas infectadas).
Assim, o mundo estava imerso no medo, na superstição e na presença cotidiana da morte, que a todos poderia levar de uma hora para outra. A peste matava de maneira rápida e dolorida e ceifou nesta época simplesmente um terço da população da Europa. Em termos percentuais foi a maior tragédia da história humana até os dias de hoje.
Bergman foi fundo no tema da procura de um sentido para a vida, em um ambiente tão sombrio e macabro. O cineasta afirmou certa vez em uma entrevista que “neste filme, o cavaleiro regressa da cruzada como, em nossos dias, um soldado volta da guerra. Na Idade Média, os homens viviam sob o terror da peste. Hoje vivem sob o terror da bomba.” Estava-se, então, em plena Guerra Fria, sob o possível holocausto nuclear. Desta maneira, O Sétimo Selo pode ser interpretado como uma alegoria do século XX e do mundo que ainda vivemos neste início do século XXI, em forma de lenda medieval. “O tema é bastante simples” – completa o diretor –, “o homem e sua procura eterna de Deus, tendo apenas a morte como única certeza.”
Ao participar das Cruzadas e testemunhar aquele mundo intolerante e degradado, o cavaleiro Block quer uma explicação, seja qual for, para entender que aquilo que fez e está presenciando não é uma completa perda de tempo. Em suma, ele deseja saber, e não crer.
Numa das sequências explicitamente fantásticas – que irá se repetir por todo o filme –, Block encontra a Morte, à beira de uma praia deserta. Com rosto cadavérico, sob uma longa túnica negra e carregando a temível foice em uma das mãos, Ela se anuncia para levá-lo deste mundo. Mais surpreso por poder vê-la do que pelo que isso significa, Block propõe um acordo: um jogo de xadrez. Caso ele vença, a Morte lhe daria mais alguns anos de vida. A proposta é aceita e eles vão, por todo o filme, travando um insólito duelo. Mesmo com toda a bagagem de espectador de filmes de horror, esta presença da Morte, personificada de uma maneira tão verdadeira, em um mundo tão incerto e dilacerado, realmente impressiona, não pelo medo em si, mas pelas implicações do que a Morte realmente representa na vida de cada um de nós.


Este filme, que não é de horror em termos estritos, é muito efetivo no sentido de despertar no espectador sentimentos centrais e incômodos: como a dúvida sobre a razão da vida e a inevitabilidade da morte. Onde Deus entra nisso? Conforme o próprio Block descobre, não há uma resposta definitiva. Ao invés, apenas o aumento da dúvida, da angústia, especialmente em três momentos. Primeiro, quando ele se aproxima da jovem ‘bruxa’ que será queimada e lhe interroga, esperando encontrar Deus através do Diabo, mas no olhar da torturada não vê nada além do medo. Depois, quando descobre que um dos principais fundamentos da religião é a semeadura do medo. Um homem contaminado pela peste pergunta a Jons se ele, de alguma forma, pode aliviar sua dor. Em tom áspero, o escudeiro diz que se o homem sente medo, deve correr para os braços dos padres. “Talvez eles possam ter alguma explicação”. Mas esta suposta explicação é definitivamente desconsiderada, quando Block – numa cena antológica, de tantas –, pergunta à própria Morte, qual o sentido da vida. “Onde está Deus?” Para o seu choque, a Morte diz nada saber. Fria como uma máquina, apenas está ali para executar seu trabalho: retirá-lo do mundo. Bergman nos coloca aí diante da temível condição do “nada”.
Este é um dos filmes mais profundos que já assisti. E suas discussões existenciais são ainda emolduradas por um estilo brilhante, com a intensidade dramática já inerente ao tema, sendo ampliada pela interpretação dos atores, pelo roteiro enxuto e cortante, pela cenografia fiel à época, nas composições e tomadas de câmara experimentais, além da música ora sussurrante, ora impactante que pontua as diferentes situações da obra.
Mas o filme não termina como uma reflexão pessimista da condição humana, que a nada restaria a não ser se corroer de dúvida ante a fatalidade da morte. Isso porque, uma espécie de esperança é vislumbrada, na presença do jovem casal de artistas e seu bebê. O amor partilhado e a valorização de fatos simples e solidários conferem, assim, uma espécie de significado concreto à nossa breve passagem pela Terra. E se na primeira vez que vi o filme, deixei a sala cheio de dúvidas e melancolia, ao revê-lo outras vezes, sinto-me existencialmente reconfortado, ao compreender um pouco melhor a réstia de esperança concreta que Bergman transmite, especialmente na ambígua e até lírica cena final desta obra-prima.

-- Marcello Simão Branco

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