sexta-feira, 3 de junho de 2016

Os Náufragos do Selene

Os Náufragos do Selene (A Fall of Moondust), Arthur C. Clarke. Tradução de Jorge Luiz Calife. Capa de Victor Burton. 265 páginas. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984.


Quando escreveu Os Náufragos do Selene, Arthur C. Clarke (1917-2008) já era um nome consolidado no campo da ficção científica e da astronáutica. Havia estabelecido sua reputação nos anos 1950 com romances como O Fim da Infância (Childhood´s End, 1953) e A Cidade e as Estrelas (The City and the Stars, 1956) – que se tornaram clássicos – e o influente ensaio A Exploração do Espaço (The Exploration of Space, 1952).
Clarke acabara de receber ainda o Prêmio Kalinga, da Unesco, por sua contribuição à divulgação da ciência e publicado, de qubra, o livro de não-ficção Perfil do Futuro (The Profiles of the Future, 1962). Neste cenário Os Náufragos do Selene (A Fall of Moondust) é um romance que sem a mesma ambição filosófico-cósmica dos anteriores, busca uma aproximação mais realista, entre uma ficção de caráter especulativo e o conhecimento científico da época.
O livro narra os efeitos dramáticos de um acidente com uma nave que fazia uma excursão por pontos turísticos da Lua, já no século XXI colonizada pela humanidade. Pois a nave Selene sofre um acidente numa superfície aparentemente segura ao afundar como se numa areia movediça estivesse, a algumas dezenas de metros abaixo da superfície do Mar da Sede.
Temos o que na linguagem da ficção científica se costuma chamar de uma “problem story”, ou seja, um enredo que procura explorar todas as possibilidades racionais para se solucionar um problema de caráter natural ou tecnológico, ou ambos no caso do romance em questão. Clarke pontua bem os acontecimentos derivados do acidente, entre o drama dos personagens próximos da morte, e a formação de hipóteses e alternativas técnicas para salvá-los.
O romance tem o mérito de não mergulhar num dramalhão convencional tão comum em histórias deste tipo e populares nos cinemas como “filmes catástrofes”, ao interligar as vidas pessoais dos infortunados com o drama coletivo que os une. Mas talvez o autor inglês tenha exagerado ao diluir demais a dramaticidade, com personagens que se comportam a maior parte do tempo com uma fleuma e racionalidade pouco verossímeis numa situação limite como esta. Por exemplo: após o acidente e sem notícias sobre um possível resgate passam boa parte do tempo em passatempos, como leitura oral de romances!
Se Clarke mostra-se fraco em aprofundar a densidade psicológica dos personagens, a força de Os Naufragos do Selene esta, justamente, na resolução da “problem story”. De como será possível localizar a nave, contactar os passageiros e tripulantes, e mantê-los vivos enquanto os engenheiros e técnicos imaginam como irão fazer para tirá-los de lá em segurança. Aliás, tal contraste ilustra bem as virtudes e limites do autor britânico, repetidas no restante de sua obra.
Clarke usa bem o recurso de estilo narrativo de contar a história a partir de perspectivas diferentes, se alternando, como a dos passageiros, dos administradores e engenheiros, e de um jornalista que, por sorte e faro profissional, descobre o acidente antes, e procura tirar proveito disso.
É pela interação entre a liderança do espirituoso comodoro Hansteen – a bordo de forma anônima na Selene – do inicialmente hesitante comandante da nave, Pat Harris e do engenheiro-chefe da administração lunar Lawrence, que lidera a equipe que busca salvar os náufragos, que o romance tira o seu melhor na tradição de resolução de um problema aparentemente complexo e de incerta solução. Páginas e páginas ao longo dos capítulos esmiúçam em detalhes as várias possibilidades de resgate possível, e como elas vão sendo descartadas para que outras surjam, sem que com isso, as vidas dos passageiros e tripulantes deixem de estar em constante perigo.
A Lua é um dos cenários preferidos da ficção científica, a começar com as aventuras de Julio Verne, e ainda mais quando o romance foi escrito, pois estava na crista da onda, devido à corrida espacial entre norte-americanos e soviéticos. Além de ser uma conquista científico-tecnológica sem par era, principalmente, um troféu para a propaganda da ideologia vencedora. Tanto que depois que os Estados Unidos lá chegaram o interesse foi declinando, e a União Soviética acabou nem enviando uma nave tripulada para lá. Pelo que tudo indica, neste início de século XXI os chineses devem ser os próximos a nos mandar notícias e imagens in loco daqui há alguns anos.
De qualquer forma, como atesta Os Náufragos do Selene, e outras várias boas histórias sobre a Lua no terreno da FC, nosso satélite natural é um destino inevitável para as próximas décadas. Estratégico mesmo para viagens mais ousadas: Marte e além.
Nesse contexto, quando já existem projetos concretos de turismo espacial em órbita, o romance deverá ganhar um novo interesse, já que com uma provável colonização da Lua, atividades turísticas como as retratadas no livro deverão existir até de forma rotineira.
No conjunto da obra de Clarke Os Náufragos do Selene não chega perto de seus clássicos, os citados e outros como, por exemplo, 2001, uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968) e Encontro com Rama (Rendesvous with Rama, 1973). Tem um status intermediário, talvez subestimado. Mas por sua inteligência especulativa, em equilíbrio com um senso de verossimilhança que deverá se tornar ainda mais realista nas próximas décadas, é um livro de renovado interesse. Tanto para os fãs de ficção científica, como para os que procuram um livro elegante na forma e instigante no conteúdo.

– Marcello Simão Branco



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