terça-feira, 15 de novembro de 2016

O Incrível Homem que Encolheu

O Incrível Homem que Encolheu (The Incredible Shrinking Man), Richard Matheson. 343 páginas. Tradução de Jacqueline Valpassos. Capa de Rodrigo Valpassos. Osasco: Editora Novo Século, 2010.


Nos últimos anos a editora Novo Século fez um ótimo trabalho ao publicar no país boa parte da obra de Richard Matheson. Primeiro republicou seu livro mais conhecido, o clássico Eu sou a Lenda (I am Legend, 1954), em 2007, no embalo do lançamento da terceira adaptação cinematográfica da história, acompanhado por vários dos seus melhores contos, num volume um tanto incomum, ao misturar um romance seguido por narrativas curtas. Já em 2009 lançou o inédito Hell House: A Casa Infernal (Hell House, 1971), romance impactante de horror, que também foi bem adaptado para o cinema, no início dos anos 1970. E em 2010 surgiu no Brasil outro texto clássico: O Incrível Homem que Encolheu, que também é seguido por vários dos seus notáveis contos de ficção científica, numa história por ele adaptada ao cinema. Sob a direção de Jack Arnold, é um dos melhores da safra gloriosa de filmes de FC da década de 1950.
Norte-americano nascido em 1926 e falecido em 2013 Richard Matheson foi um dos mais talentosos autores do gênero surgidos a partir dos anos 1950, ainda que não tenha ganhando tantos prêmios e popularidade como contemporâneos seus como, por exemplo, Philip K. Dick e Robert Silverberg. O autor, ao que parece, seguiu uma trajetória peculiar, semelhante à de Ray Bradbury, embora mais constante, de escrever textos excelentes em gêneros afins, como a ficção científica, a fantasia sombria e o horror, sendo que boa parte deles recebeu competentes adaptações para o cinema e a televisão, realizadas por ele mesmo. Não é à toa, por exemplo, que Matheson e Bradbury roteirizaram episódios para séries cultuadas como Além da Imaginação e Galeria do Terror, entre outras.
Este volume traz, além de O Incrível Homem que Encolheu, mais nove histórias curtas, entre contos e noveletas. Embora a motivação para esta resenha seja o romance, aproveitarei para analisar também as outras histórias.
Mesmo não sendo o seu primeiro romance publicado, O Incrível Homem que Encolheu (de 1956) tornou o autor mais conhecido, devido à versão para o cinema, em 1957. Mesmo assim, em termos de estrutura narrativa, é mais semelhante a um conto do que a um romance. Existe uma ideia principal que é explorada à exaustão: num belo dia, o infortunado Scott Carey recebe uma nuvem radioativa num passeio de barco e pouco depois começa a encolher inexoravelmente. Mesmo com esta estrutura talvez mais afeita a um texto mais enxuto, a extensão da história nos dá a chance de acompanhar de forma comovente os detalhes da profunda transformação da vida do personagem, em todos os aspectos: biológico, social, sentimental, existencial.
De seus 1m 82 cm, Scott Carey vai continuamente diminuindo de tamanho para espanto e assombro de sua esposa, de seu irmão, de sua filha e dos médicos que tentam curá-lo de todas as maneiras. Por fim, descobrem a causa de seu encolhimento, uma mistura entre pesticidadas e radiação numa combinação específica, mas mesmo retardá-la mostra-se uma tarefa frustrante e impossível.
Ao invés de contar a história de uma forma linear, como a realizada pela adaptação cinematográfica, o leitor é surpreendido com dois momentos: Dele já minúsculo, definhando dos centímetros para os milímetros e preso no interior de um agora gigantesco porão, e ao seu processo contínuo de diminuição em que aos poucos perde o emprego, tem seu feliz casamento destruído, torna-se vítima de toda sorte de infelicidades e crueldades, como quando tem de ser livrar de um pedófilo, de um grupo de adolescentes que o humilha e ao tornar-se atração do jornalismo sensacionalista. Desta maneira, Matheson deixou o drama mais intenso, além de enriquecer os dois momentos, num processo gradativo de aproximação entre um e outro.
Nesta história, Matheson retoma o tema do herói solitário e desafortunado que tem de lutar contra um mundo inteiro, tornando-se ele o diferente da norma. Mas se o Robert Neville, de Eu Sou a Lenda transforma-se um pária dentro de uma nova realidade, a Scott Carey nem isso é possível, pois ele é o único ser humano a conviver numa realidade cada vez mais macroscópica e hostil, numa dimensão de solidão e desamparo ainda maior.
Stephen King, que sempre o cita como uma de suas grandes influências, tentou realizar algo semelhante quando escreveu, sob o pseudônimo de Richard Bachman, o romance A Maldição do Cigano (Thinner, 1984), adaptado para a TV. Aqui com uma premissa de horror, um sujeito obeso atropela por acaso a mãe de um cigano e este o amaldiçoa com a perda inexorável de peso. Assim como Carey, Billy Halleck procura por todos os meios cessar o processo, primeiro com a ciência, depois com o sobrenatural. King adota uma narrativa linear, ao contrário de Matheson, mas a linha dramática da história é semelhante.
Por sua crueza e fatalismo, O Incrível Homem que Encolheu é mais triste e assustador, ainda que não seja depressivo. É que não há como deixar de se compadecer do drama e das agruras crescentes de Scott Carey em sobreviver nesta autêntica maldição que o acometeu. Se no ambiente externo, social e familiar, ele se torna uma aberração, encolhendo diariamente, tornando-se um anão e menos que isso, no porão tem de enfrentar dificuldades mais vitais, como alimentos, roupas e abrigo e meio a um ambiente selvagem e surpreendentemente inóspito. Sua grande batalha é com uma aranha viúva-negra que tenta arrastá-lo para a sua teia durante a maior parte da história. Por sinal, a capa da edição brasileira deixa de representar este combate mais importante para se fixar no gato da casa que não chega a representar uma grande ameaça a Carey. Ainda que a capa não seja ruim, acredito que não tenha sido a melhor decisão retirar a aranha da ilustração principal, conforme vista nas primeiras edições do romance e no cartaz do filme.
Já o texto é efetivo em sua simplicidade, fluência e exatidão descritiva, longe de perder-se numa autopiedade emocional e em grandes introspecções. Dentro deste contexto, há passagens dramáticas também belas, especialmente quando Carey conhece uma linda anã num circo e percebe que continua tendo os desejos de um homem além de, mais adiante, redescobrir outro sentido para a vida, depois de encolher a ponto de não ser mais visto a olho nu.
Scott Carey não se deixa abater – apesar de cogitar o suicídio algumas vezes –, e é em sua luta por sobrevivência que a narrativa adquire um grande alcance moral. Viver, continuar a despeito das maiores dificuldades e sofrimentos. Até que a sua nova e ínfima condição tenha uma justificativa própria, como ele mesmo atesta ao descobrir que o seu processo de diminuição não o torna menos inteligente e, sobretudo, menos humano. O Incrível Homem que Encolheu é um romance com premissa de ficção científica de dimensão metafísica e um desenvolvimento de pleno horror e superação, na jornada de Carey rumo ao desconhecido.

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Depois de ler uma história tão forte o melhor teria sido colocar o livro de lado e deixar-se absorver por suas emoções e implicações despertadas. Pelo menos é isso o que costumo fazer após a leitura de um livro especialmente interessante, como este que contém O Incrível Homem que Encolheu. Porém, o livro continua com mais nove histórias e isso provoca uma sensação de estranheza e certo desconforto, pois queria reter a última impressão do volume após ler a história título.
É possível que a intenção da Novo Século tenha sido de economizar, pois deve ter comprado alguns volumes de contos junto com os romances e ficou com receio de lançar as coletâneas como títulos próprios. Pode fazer sentido, mas seria melhor para o leitor saber desde o início que teria em mãos uma coleção de histórias curtas e não um romance seguido delas. Se foi este o motivo, não deveria haver receio com um autor deste calibre.


Em todo caso, após o desconforto inicial, o prazer da leitura é reiniciado, pois as demais histórias mantém o ótimo nível. São contos e noveletas escritas nas décadas de 60 e 70, as mais produtivas de sua carreira. Algumas delas são mesmo chocantes ao explorar os limites da miséria humana como em “O Teste”, “O Distribuidor” e “A Caixa”. No primeiro, em um futuro próximo, devido a uma superpopulação de idosos eles começam a ser eliminados quando se mostram senis ou inúteis para a sociedade. A narração enfoca o tema a partir de um filho que vê seu pai prestes a passar pela sinistra prova. Já a segunda mostra a figura de um sujeito que muda para uma vizinhança e procura se mostrar simpático e prestativo demais, até que suas reais intenções começam a se revelar de forma insidiosa. É uma curiosa variação sobre a figura do diabo. E na terceira história um estranho pacote é deixado na porta da casa de um casal. Após descobrirem que podem lucrar com uma caixa contida no seu interior, nem que com isso provoquem a morte de estranhos, a mulher é vencida pela curiosidade com consequências surpreendentes. Este conto recebeu uma boa adaptação para o cinema em 2009, estrelado por Cameron Diaz.
A maioria destas histórias está mais próxima do horror, não necessariamente sobrenatural e sim mais psicológico, com situações extremas a que são colocados os personagens, em especial em “Encurralado”. Muito conhecida através da adaptação para a TV norte-americana realizada pelo então jovem desconhecido Steven Spielberg, o texto de Matheson mantém o suspense de tirar o fôlego, numa história arrepiante. Uma obra-prima.
Neste volume, Matheson mostra, invariavelmente, pessoas lidando com grandes adversidades, ou em alguns casos, sendo o agente dela. No fundo, o mundo é um lugar muito hostil e indiferente às necessidades e dramas humanos; mas também o homem pode, por vezes, agir neste mesmo mundo para torná-lo ainda mais cruel para as outras pessoas ou seres vivos.

Marcello Simão Branco

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